segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Liderasmos e Liderança sem adjetivos

O Dicionário Houasiss define adjetivo como palavra de natureza nominal que se junta ao substantivo para modificar o seu significado, acrescentando-lhe uma característica. Usamos adjetivos melhorar o entendimento de algo. Carro é apenas um carro qualquer. Acrescendo novo ou velho, compacto ou grande, próprio ou alugado, ajudamos a distingüi-lo entre os demais. Adjetivar é, portanto, ferramenta poderosa de comunicação. Esclarece. Distingue. Informa. Mas nem sempre.

No que se refere à liderança, por outro lado, o uso de qualificadores poder ser uma contribuição imensamente negativa quando segregando suas qualificações se dá a impressão de serem tipos distintos, Liderança Isto ou Liderança Aquilo, quando, na realidade, são todos gomos de um mesmo fruto: liderança sem adjetivos.
Criando, inclusive, o estilo de liderança da moda, embora liderança seja atemporal. As qualidades da liderança para Adão e Eva são exatamente as mesmas para todos seus descendentes. Não são para serem exercidas assim agora hoje e semana que vem assado.
Julguei, por isto rever estes qualificadores reorganizando-os sob uma perspectiva ampla, integrada, e principalmente, perene.

Liderança Servidora. Falando em moda, aqui no Brasil, a liderança da moda é a servidora. Resultado provável do merecido sucesso dos livros de J.C.Hunter (O Monge e o Executivo e Como se tornar um líder servidor), que tem feito alguns acreditarem ser ele o pai da idéia que liderar é servir. Ledo engano. Se o termo tem pai, é Robert K. Greenleaf, que, em 1977, recuperou modernamente a importância desta qualidade em seu livro Servant Leadership. Por sua vez, o próprio Greenleaf afirma a influência de uma obra de 1932, Viagem ao Oriente de Hermann Hesse.

Sinais evidentes de que a liderança servidora é bem mais antiga do que se pensa. Minha primeira referência histórica de liderança servidora é Jesus Cristo no Capítulo 20 de Mateus. Ainda que existam registros históricos anteriores, essa continuará sendo importantíssima. As razões não são poucas.

Primeiro porque destaca o paradigma de liderança vigente (liderar é dominar liderados): “Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles”. Segundo, rompe com esta linha e afirma que seus seguidores deveriam agir de forma diferente: “Não será assim entre vós”. Terceiro, inaugura uma nova visão do que é liderar - líderes deviam servir, não dominar: “Qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo”. Quarto, porque Jesus apela para si mesmo como exemplo, que sua missão seria marcada por este tipo de liderança: “assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”. E, finalmente, define o limite (ilimitado) desta atitude: dar sua própria vida a favor do outro “e para dar a sua vida em resgate de muitos”.

Portanto, parece fácil notar a relação pleonástica entre serviço e liderança. Não há liderança sem serviço. A questão é quem serve a quem. Se o líder aos seus liderados, ou se é o falso líder, o tirano, quem se serve dos liderados para atingir seus interesses.

Liderança Transformadora. Liderança rima com mudança, mudança com liderança. Basta pensar na inutilidade de líderes quando se quer manter as coisas como sempre foram por aqui.

São os momentos de crise, instabilidade, transformação, de grandes desafios o habitat apropriado para o florescimento de um líder. É, por isto, fácil aceitar Gandhi como líder nos riscos e dificuldades do povo indiano na luta pela independência do Império Britânico e Martin Luther King defendendo os direitos civis dos negros norte-americanos. Difícil é associar liderança com burocrata fechado em salinha escura carimbando via amarela. Empurrando suas responsabilidades e existência com a barriga - a propósito, a única coisa em visível desenvolvimento em sua vida.

E já que se não transforma, não lidera, quem pensa que lidera, é fácil entender porque liderança transformadora também é um liderasmo.
Liderança Capacitadora. Se liderar é transformar, transformar é, necessariamente, em algo novo. Incluindo no novo, a preparação dos que para o novo irão. Preparação que ocorre entre o agora e o novo. Porque o novo mesmo só acontece fora quando acontece dentro de cada um dos envolvidos. Toda transformação acontece sempre primeiro em alguém. Houve primeiro roda na mente de alguém antes de se fazer as coisas rolarem, cadeira antes que alguém pudesse sentar em uma, avião na mente de Santos Dumont, muito antes do primeiro vôo do 14Bis.

A transformação vem sempre pela capacitação. Primeiro do líder que se capacita, e depois pelos que ele capacita. Capacitar não é, por isto, opção nem talento especial de alguns líderes, capacitar é parte essencial da liderança.
Liderança Visionária. Etimologicamente, líder, em português, vem de leader, em inglês, agente do verbo to lead, cujo sentido segundo o Webster é, to guide on a way especially by going in advance - conduzir por um caminho, especialmente, indo à frente.

Assim liderar sem saber para onde vai e, ainda por cima indo à frente, é ser candidato certo a primeiro a cair no barranco. O que me faz relembrar o conselho que dou a todos aqueles que participam dos meus workshops de liderança: “Se não sabe para onde está indo, não leve ninguém com você. Se não sabe para onde o outro está indo, não vá com ele”.

É apenas a quantidade imensa de gente que recebeu o título e os privilégios de liderar, muito antes de receber a visão e a quantidade de estragos que provocaram, o triste quadro que nos leva a chamar a atenção para esta qualidade. Líder que não sabe para onde vai, nem sabe como responder os porquês da ida, não é líder, é apenas mais um dos perdidos a espera de um verdadeiro líder que os tire do meio da floresta.

Visão é resultado de bússola moral e existencial, recurso exclusivo de gente que já se encontrou, primeiro, dentro de si mesma, para em seguida encontrar seu papel na história e, poder assim, ajudar outros a encontrarem os seus.
Liderança pelo Exemplo (ou Inspiradora). Nada podia ser mais óbvio do que a importância do líder dar o exemplo, melhor, a importância do líder ser o exemplo. Afinal, liderar, tem muito menos a ver com que o líder faz e infinitamente mais com quem líder é. Óbvio nada. Quando liderar estar tão arraigado à idéia de hierarquia e topo da hierarquia, com ser o Número 1, com ser o mais importante, o melhor, o maior, o que tem mais, o que chega primeiro. Tudo associado ao que se faz, não ao que se é, fica difícil entender a importância de ser o exemplo.

Liderança, porém, deve ser entendida como um tipo muito especial de epidemia altamente contagiosa, em que as melhores características da liderança são transmitidas àqueles em contato íntimo com verdadeiros líderes. Razão pela qual se falar de liderança pelo exemplo ser tão absolutamente desnecessário.
Liderança sem adjetivos. Não me entenda mal, não menosprezo nenhuma das qualificações mencionadas. Servidora, transformadora, capacitadora, visionária e inspiradora são qualidades muito desejáveis no exercício da liderança. Mas são todas essenciais, integradas, interdependentes. Não substituem umas às outras, nem subsistirão sozinhas.

Desenvolver-se como líder, é sempre, enfim, o resultado de uma viagem interior, um mergulho nas águas profundas de nós mesmos. Viagem tão arriscada quanto fascinante, em que o explorador busca a arca do tesouro de seu eu mais completo. E, mesmo depois de encontrá-la, será sempre através de sucessivos mergulhos, que pouco a pouco, trará à superfície seus preciosos achados.

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