quarta-feira, 12 de março de 2008

O livre-arbítrio cerebral

O livre-arbítrio cerebral

Um dos assuntos mais controvertidos dentro da história da Igreja é o livre-arbítrio. Esse assunto divide opiniões de tal maneira que se você quiser acabar com uma aula de Escola Dominical, pergunte se existe ou não livre-arbítrio e você vai ver que naquele dia o professor dificilmente voltará ao assunto original.

Marcos David Muhlpointner
Biólogo pela Univ. Mackenzie e professor de Ciências e Biologia em colégios particulares de São Paulo. Membro da Comunidade de Jesus - São Bernardo do Campo, exercendo os ministérios de música e de pregação. Faz palestras sobre bioética, ciência e fé e atualmente está preparando um livro sobre Bioética à luz da Bíblia.


Sou biólogo. Amo a vida e os seres vivos. Gosto demais de como o sistema nervoso funciona e coordena os sinais visíveis dessa vida biológica que todos temos. Acredito que uma das maiores razões da minha paixão pelo sistema nervoso é o fato de ainda sabermos pouco sobre ele.
Voltei a estudar o sistema nervoso. Estou relembrando coisas antigas e aprendendo coisas novas. Ainda bem que estou aprendendo mais do que relembrando. Sinal de que os estudos estão avançando e estamos conhecendo hoje muito mais que no passado.

É preciso que se diga que o assunto que vou tratar pode gerar certas polêmicas. A interação do sistema nervoso com nosso cotidiano é assim mesmo. Quando se mexe com questões da consciência, inconsciência e a determinação da vontade somos mexidos no centro de nossas emoções e de nossas convicções. Mas não tenho problemas com questões polêmicas. Pelo contrário.

Um dos assuntos mais controvertidos dentro da história da Igreja é o livre-arbítrio. Esse assunto divide opiniões de tal maneira que se você quiser acabar com uma aula de Escola Dominical, pergunte se existe ou não livre-arbítrio e você vai ver que naquele dia o professor dificilmente voltará ao assunto original.

Basicamente encontramos dois tipos de argumentação. Há aqueles que defendem a existência do livre-arbítrio e os que se opõem a ele. Historicamente os defensores do livre-arbítrio ficaram conhecidos como arminianos por causa de Jacobus Arminius. Já os que defendem a inexistência do livre-arbítrio são conhecidos como calvinistas devido a João Calvino.

Talvez o título desse artigo não dê a exata dimensão de seu conteúdo. Por isso mesmo peço sua atenção redobrada a partir de agora. O que determina a nossa vontade? Por que hoje você escolheu a cor da camisa que está vestindo? Por que escolheu ler esse artigo nesse momento e não depois? Essas perguntas parecem simples. Só parecem. Para um neurofisiologista responder essas perguntas não é tão simples. Se você fizer um teste e perguntar para um deles e lhe der tempo para responder, ficará pelo menos uns 45 minutos para saber porque ele optou pela camisa vermelha e não a azul.

Entendo que para as pessoas que não estão interessadas na atividade cerebral seja ridículo perguntar essas coisas. Daí o fato de ter colocado o termo livre-arbítrio no título desse artigo. Parece não haver coisa mais banal do que escolher uma camisa azul, vermelha ou preta. É realmente banal estudar o cérebro para saber simplesmente porque escolho a camisa vermelha e não a azul. Mas quando tratamos de questões mais elaboradas como profissão, casamento e filhos, nossas escolhas ficam mais sérias. E, sejamos honestos, gostamos da liberdade de escolher a cor da camisa, ou a profissão que queremos ter, ou o cônjuge com que queremos viver e a quantidade de filhos que vamos ter.

Todos nós podemos escolher essas coisas. Qualquer homem ou mulher, hoje no século 21, por exemplo, pode escolher com quem casar. Afinidades psicológicas, comportamentais, sentimentais podem aproximar duas pessoas de modo definitivo. Da mesma forma que se o casal de namorados chega à conclusão que as afinidades não existem, rompe-se o namoro e cada um segue o seu rumo. Optaram livremente. Sem a coação de fatores externos ao relacionamento, se separam agora e dizem não ao casamento. Isso é liberdade de escolha, vontade própria.

Será mesmo? Será mesmo que nada nos influencia nas nossas escolhas? Escolher a cor da camisa, a profissão, o cônjuge... será mesmo que somos livres pra fazermos essas escolhas? Preste atenção para o experimento que vou relatar agora.

O experimento é muito simples. Uma pessoa é colocada diante de um monitor. Nele há um círculo numerado e uma bolinha percorrendo cada número. A única ação que a pessoa deve fazer é apertar um botão sempre que tiver vontade. Depois, é só dizer em qual número do círculo ele teve vontade de apertar o botão. Todo o experimento é monitorado por um eletroencefalograma que registrava a atividade cerebral na região que controla os comandos dos movimentos musculares.

Qual foi o resultado? A vontade de mexer o dedo vem antes da realização dessa ação. Até aí nenhuma novidade. Todo mundo sabe que realizamos algo somente depois que temos vontade de realizar essa específica ação. Primeiro eu tenho vontade depois vou realizá-la. Antes do músculo do dedo se mexer o cérebro coordena e envia a mensagem para a realização do movimento. O surpreendente do experimento é que antes de se manifestar a vontade, as regiões cerebrais que coordenam o planejamento da ação do dedo já estão em atividade.

A implicação é que o cérebro não "sente vontade" de mexer um dedo, depois ativa o programa adequado, depois mexe o dedo. Ao contrário: ele primeiro ativa o programa adequado; dois ou três décimos de segundo mais tarde aquilo, de alguma forma, se transforma em “vontade”; e só outros tantos segundos depois o dedo é acionado. Não sei se você já percebeu onde quero chegar. Mas de alguma forma, antes de sentirmos alguma vontade o cérebro já está determinando nossa ação e coordenando nossa vontade. Coordenando é um eufemismo da minha parte, na verdade, a palavra é controlando e determinando.

Se o cérebro estaria determinando a vontade é algo mais controverso ainda e que carece de estudos mais aprofundados. Contudo, se nesse momento você está com vontade de parar de ler esse artigo porque não gosta da idéia de não ter livre-arbítrio, saiba que o fato de não gostar dessa idéia, não te faz livre para continuar a ler. Se assim for, por hora, vou realizar sua vontade.

Só para pensar, até que ponto nosso arbítrio é livre? Até o próximo.

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