quarta-feira, 12 de março de 2008

A 'ética' do suicídio

A 'ética' do suicídio
...assunto polêmico do ponto de vista da bioética. Contudo, ele é ainda mais polêmico do ponto de vista da teologia. É necessário dizer antes que não tenho a palavra final na interpretação das Escrituras. Muita gente, melhor qualificada do que eu, poderia escrever melhor sobre hermenêutica. Meu convite a você é que tenha calma e muito discernimento para o que...

autor
Marcos David Muhlpointner
Biólogo pela Univ. Mackenzie e professor de Ciências e Biologia em colégios particulares de São Paulo. Membro da Comunidade de Jesus - São Bernardo do Campo, exercendo os ministérios de música e de pregação. Faz palestras sobre bioética, ciência e fé e atualmente está preparando um livro sobre Bioética à luz da Bíblia.


Vamos tratar de mais um assunto polêmico do ponto de vista da bioética. Contudo, ele é ainda mais polêmico do ponto de vista da teologia. É necessário dizer antes que não tenho a palavra final na interpretação das Escrituras. Muita gente, melhor qualificada do que eu, poderia escrever melhor sobre hermenêutica. Meu convite a você é que tenha calma e muito discernimento para o que vai ler a partir de agora.

Para muitas pessoas que pensam sobre a questão do suicídio — pessoas que não o cometeram — o suicida chegou no ápice do exercício da sua liberdade. Eles ponderam que a pessoa se sentia tão “dona da situação” que podia escolher tirar a própria vida, pois julgava ter domínio sobre seu próprio corpo. Na verdade, a busca de muitas pessoas é ter uma liberdade absoluta na vida. Muitos não se casam para não perderem a liberdade da vida de solteiro. Muitos casais escolhem livremente não ter filhos para se manterem exclusivamente um para o outro. O sentido de liberdade do ser humano é muito importante e exerce um verdadeiro fascínio. Quem não quer ser dono do próprio nariz?

Isso pode ser percebido em algumas relações de pais e filhos. Muitos saem da casa dos pais para “alçarem vôos mais altos”, “para terem seu próprio canto”, “para terem a sua própria vida”. Nas salas de aula isso também é visto com nitidez: alunos que se rebelam contra as regras do colégio; alunos que deliberadamente não fazem as tarefas; respondem com o dedo em riste aos professores. Alguns empregados desejam firmemente serem donos de seu próprio negócio e não mais subordinados. Enfim, vemos as pessoas buscando exercer sua liberdade de todas as formas.

O suicídio é apenas mais uma dessas formas de exercer liberdade. Não vou discutir as razões de uma pessoa escolher se suicidar. Mas como cristão e biólogo, alguém que trabalha a favor da vida, não posso me furtar a tocar nessas questões.

Tradicionalmente, a igreja cristã sempre condenou o suicídio como moralmente incorreto e o colocou na prateleira dos pecados imperdoáveis. Ora, se alguém comete suicídio, como se arrependeria desse pecado? Esse argumento parece bastante lógico e ponderável. Mas imagine que uma pessoa tenha decidido se matar pulando do vigésimo andar de um prédio. Lá pelo décimo andar essa pessoa se arrepende de ter pulado e clama por perdão. Não há meios dela se salvar fisicamente, mas está arrependida do que cometeu.

Essa situação mostra o caráter singular do suicídio e do arrependimento de pecados. Se eu for um assassino e me arrepender dos meus crimes posso parar de cometê-los. Mas o suicida da história acima não terá essa chance. Mesmo tendo se arrependido não poderá mais exercer a liberdade que dizia desfrutar. Assim sendo, questiono: para onde essa pessoa vai depois de morrer? Se a pessoa deve se arrepender de seus pecados para herdar a vida eterna, então a personagem dessa nossa história está salva.

Mas vamos adiante. Imagine que numa manhã, depois de uma noite mal dormida por um enjôo bem forte, você saiu de casa e não orou. Normalmente você faz isso depois de acordar, ora agradecendo a noite de descanso, pede as bênçãos para um novo dia e pede perdão por seus pecados. Naquela manhã, cansado pelo desgaste da noite, você não orou. Ao atravessar a rua, você foi atropelado por um carro e acabou morrendo, sem ter tido a oportunidade de naquela manhã se arrepender dos seus pecados. Pergunto: para onde você vai? Céu ou inferno?

No salmo 139 vemos um homem tentando fugir da presença de Deus. Ele vai para os lugares mais inóspitos para um ser humano viver: subir aos céus (ar rarefeito, sem oxigênio), profundo abismo (escuridão total), confins dos mares (água para um humano respirar???). Mesmo que ele tentasse apagar a Sua luz e se ausentar da Sua presença, não haveria como garantir que ele se afastaria de modo absoluto de Deus. Nisso vemos que aquela liberdade de fazer o que se quer já não é mais absoluta, pois não há como escapar da presença de Deus.

Mas mesmo se não pensarmos em termos teológicos vamos perceber que não temos tal liberdade. Por exemplo, o que seria da nossa existência se não fosse a dos meus pais? Esse é um tipo de relação que, por mais que se deseje livrar-se dela, é impossível. Tome ainda a sua vida social, é possível sentir-se livre do convívio dos seus amigos? Que liberdade teríamos nós de privá-los da nossa existência? Se o suicídio é uma forma de agir livremente, como ficariam eles diante do fato de que eles perderam a liberdade que desejarem estar comigo!

Queridos, não somos livres coisa nenhuma! Pense nas suas escolhas mais simples. Veja a cor da sua camisa agora, por que escolheu essa cor e não outra? Você a escolheu livremente, ou foi influenciado pelo seu gosto pessoal, ou porque essa camisa tem um valor sentimental? Pense no carro que você tem (se é que tem!), você o escolheu livremente? Ou sua escolha foi condicionada pela cor, pelo modelo, ou ainda pela quantidade de dinheiro disponível? Quanto mais a nossa vida. Nossa vida? Nossa porque nos foi dada. Nada fizemos para consegui-la, nada fizemos para surgir e o pouco que fazemos para sustentá-la ainda é feito de mau jeito.

Para encerrar, quero te convidar a pensar no caso de Sansão.Você acha que ele cometeu suicídio? Você se lembra daquele momento? Ele estava cego, entre duas colunas e disse que destruiria os filisteus. Minha pergunta é: o que Sansão fez para evitar a sua morte? Qual foi a atitude dele em tentar preservar a sua vida? Muitos me dirão que as intenções do coração de Sansão eram diferentes daquelas de um suicida desequilibrado, ou daqueles que enfrentam grande depressão e angústia. A esses pergunto: não podemos pecar contra Deus apenas com nossos desejos também? Será que uma intenção boa e justificável apagaria nosso pecado? No caso de Sansão, o que posso dizer, é que ele está arrolado no rol dos “heróis da fé”, como é conhecido o capítulo 11 de Hebreus. Só Deus salva, só Deus condena. Só Deus pode dar vida, só Deus pode tirar a vida. A Ele, e somente a Ele, sempre e sempre, seja toda a glória.

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